"Era um fantasma numa casa alheia que de um dia para outro se tornara imensa e solitária, e na qual vagava à deriva, perguntando a si mesma angustiada quem estava mais morto: o que tinha morrido ou a que tinha ficado. Não podia afugentar um recôndito sentimento de rancor contra o marido por havê-la deixado só no meio do oceano tenebroso. Tudo que era dele a fazia chorar: o pijama debaixo do travesseiro, os chinelos que sempre lhe pareceram de doente, a recordação de sua imagem se despindo no fundo do espelho enquanto ela se penteava para dormir, o cheiro de sua pele que havia de persistir na dela muito tempo depois da morte. Parava no meio de qualquer coisa que estivesse fazendo e dava um tapinha na própria testa, porque de repente se lembrava de alguma coisa que esquecera de lhe dizer. A cada instante lhe vinham à mente as tantas perguntas cotidianas que só ele podia responder. Certa vez ele dissera algo que ela não podia conceber: os amputados sentem dores, cãibras, cócegas, na perna que não têm mais. Assim se sentia ela sem ele, sentindo que ele estava onde não mais se encontrava."
O amor nos tempos do cólera - Gabriel Garcia Márquez
Um dos trechos mais bonitos que já li. Toda vez que releio, arrepio. Não só pelo conteúdo, mas também pela forma. Esse é o tipo de coisa a que me referi no post anterior, sobre encantamento.
Tem mais um trechinho, na verdade uma frase - genial - que vem na sequencia deste citado acima, algumas linhas depois:
Não tenho nem o que comentar!
Tem mais um trechinho, na verdade uma frase - genial - que vem na sequencia deste citado acima, algumas linhas depois:
"..., os chapéus que se pareciam mais com ele do que os retratos,..."
Não tenho nem o que comentar!